segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Meus Eternos Fragmentos.


Não sou mais eu, eu sei. Tão menina, tão descompromissada. Esta não era eu, agora eu sei. Eu ainda tenho sete anos, envergada carregando meu irmão no colo por toda a casa. Lavando o arroz para por no fogo, dosando o leite para por na mamadeira, enchendo o balde pro pano no chão, empilhando as louças para lavar, esticando os lençóis das camas por arrumar, cuidando da irmã a brincar lá fora. Sempre me preocupando se minha mãe ia chegar e encontrar mesmo tudo arrumado. Eu sou esta aí. Magricela. Dos cabelos escorridos e ainda com os olhos inchados louca pra assistir o “Show da Xuxa”, enquanto meu irmão está no colo segurando sua mamadeira, pronto para dormir, não sem antes lhe trocar a fralda, não sem antes ouvi-lo chorar em protesto contra o sono. Esta era eu, pela manhã. Fiz o almoço, todos comeram e eu engoli. Fui brincar, dar uma olhada nos gatinhos que nasceram por entre as bananeiras, como são nojentos; pensei. A gata roubou o peixe que estava sobre a pia. O gato apareceu com as costas queimadas por água escaldada, os vizinhos os achavam mais nojentos, pude ver com este ato. Memórias. Um ‘quintal’ de terra. Azeitonas, milho, alho, macaxeira, feijão-de-corda, ‘pé de colorau’, mamoeiro, formavam a plantação ao fundo. Ali eu entardecia. Deixei a boneca no pé de azeitonas, e nunca mais a vi, a única. Talvez por isso tenha tanta aversão a bonecas, o trauma foi incalculável. Ela abria e fechava os olhos, oras. Levaram. Mas ficaram as tardes brincando de casinha. A invasão das lagartas, vindas da plantação de fumo a frente de casa, como aquilo fede; quando verde tanto ou pior quanto em forma de cigarro, pegamos tantas, cortamos ao meio, fizemos colônias. Havia mesmo muitas lagartas e cobras. Maldita plantação tão bendita. E o arvoredo, a caixa d’água? Ficávamos ali, feito macacos, o quanto o tempo nos permitisse, no alto, observando as casinhas, todas iguais azuis e rosas, o vendedor das cobiçadas bonequinhas de açúcar-queimado e do outro lado o vendedor das, não tão cobiçadas assim, laranjas descascadas em forma de cobrinha. Havia flores nas árvores, nossos enfeites, buquês. E o tempo era meu e os piores planos, também. Eu gostava de pimentão, gostei mais ainda de uma plantação deles. Toquei um monte de campanhia, descambei a falar palavrão em frente ao cemitério, alguma ‘alma penada’ deve ter escutado, não falo mais, nunca mais falei, nunca mais me atrevi. Fiz meu primeiro amor platônico se esborrachar no chão porque não quis me dar bola. Engoli um monte de remédio porque tinham gosto de bala. Fiz xixi na calça de tanto rir da cara do moleque ao qual dei pimenta dizendo que era fruta. Quem arrancou todas as folhas do pé de maracujá? Quem deu fim à blusa vermelho-sangue porque à odiava? E era bom. Meus irmãos, minha mãe e eu. Costurados nestes meus fragmentos. Donos das lembranças mais simplórias possíveis e as melhores. Nunca esquecidas em algum lugar no passado, em Arapiraca-AL.
Assim cresci, assim sou. Magricela, aos sete anos, cuidando de casa, adubando a vida.